Carta à minha mãe

19 de Dezembro de 2023

ilustração de Fê Vilela
ilustração de Fê Vilela

Semana passada tive mastite. Pela terceira vez em pouco mais de um ano. Nada muito grave, com massagens e posicionamentos do bebê pra mamar, durou apenas 2 ou 3 dias. Mas é chato, e bem desconfortável. Dessa última vez tive febre, diferente das outras vezes. Mas outra coisa diferente também aconteceu. Dessa vez, pensei em minha mãe.

Minha mãe, que não conseguiu me amamentar quando bebê. Não porque não quis, porque não tentou, mas por um ato estupidamente cometido em maternidades de antigamente: ao separar o bebê da mãe logo após o nascimento, davam uma espécie de mamadeira, a chuquinha, para acalmar o bebê e deixá-lo quietinho no berçário (outro ato mais estúpido ainda).

Um bebê saudável, que não teve nem chance de agir conforme sua biologia, agora carrega uma marca que levará pra vida toda.

Eu nunca consegui mamar no peito. Esse primeiro contato com a chuquinha ocasionou uma confusão de bicos e eu simplesmente não sabia mais como mamar. Uma bebezinha com fome que não conseguia fazer o que é natural por um ato de intervenção desnecessário.

E minha mãe ali, com os peitos cheios de leite, desejando me amamentar, me nutrir, me acalentar, e não podia.

Pela primeira vez após minha mastite não pensei só em mim, pensei em minha mãe e em quanto ela sofreu com os seios lotados de leite empedrado, com mastite grave e em pleno puerpério. Perdão mãe, por eu não conseguir mamar, por de alguma forma criar essa realidade e não aceitar plenamente o seu amor.

Eu te perdoo, mãe, por não me amamentar, por de alguma forma criar essa realidade e não poder me dar plenamente o seu amor.

Criamos juntas essa realidade e juntas podemos transmutá-la. Dando o que me faltou eu me preencho e me curo. Que a amamentação em livre demanda das minhas filhas, suas netas, possa curar essa ferida de nossa linhagem, mãe. E que a abundância reine em nossas vidas, assim como o leite que jorra livre do seio que nutre.

De uma mãe aprendiz.